Os contos de fadas dos irmãos Grimm carregam imagens fortes que lidam diretamente com símbolos arquetípicos. Entre os contos do livro, Faithful John me chamou muita atenção. A história desenvolve – através de metáforas, referências e símbolos – a jornada do auto-conhecimento.
A história se inicia quando o rei, em seu leito de morte, chama seu criado mais fiel: John e o pede para cuidar do príncipe. Com a morte do rei, John personifica o arquétipo do mentor, ao mostrar ao Novo Rei seu castelo paterno. Chamar o castelo de paterno já nos mostra uma relação de dependência da figura paterna, que deverá ser dissolvida, para que o Novo Rei possa se tornar um homem de verdade.
Apaixonado o novo Rei, pede ajuda a John para conquistar a atenção da Princesa. Ele propõe usar todo o ouro do reino para criar várias peças e levá-las à princesa. A Princesa é o anima e o ouro é metafórico: trata-se de uma referência direta à alquimia. Usar o ouro é o processo de obter individualidade e descobrir o self jungiano.
Ao velejar ao castelo da Princesa e conseguir atraí-la até o barco do Rei – a união entre anima e animus – John iça as velas enquanto a Princesa está vendo as peças de ouro. Isso é legal porque destrói a falsa noção de que contos de fadas são morais. A Princesa é, literalmente, sequestrada. E ela fica desesperada porque acha que foi sequestrada por um mercador, mas quando o Rei se identifica, ela relaxa e aceita se casar com ele. Só isso já dá panos para fazer uma análise social da época.
Enquanto velejam, John toca música na proa do navio e vê três corvos os sobrevoando e conversando. Esses três corvos provavelmente são figuras que dividem a mesma raiz do conto registrado por Thomas Ravencraft, Three Ravens. Talvez, por falarem do futuro, esses corvos tenham o mesmo papel das três irmãs fiadeiras do Destino da mitologia grega. De qualquer maneira, John, por alguma razão, é capaz de escutá-los.
Eles conversam que ao chegar à terra, o Rei encontrará um cavalo vermelho-raposa e quando ele o montar, irá morrer. Um outro cavalo vermelho bem conhecido é aquele em que Guerra, do Apocalipse bíblico vem montado. E o único modo de evitar a tragédia é se alguém montar no cavalo antes dele e atirar em sua cabeça, e, ainda assim, aquele que o fizer, se tornará pedra do joelho até o pé.
Ainda prevendo o futuro, eles dizem que, ao chegar no castelo, o rei encontrará uma camisa de noivado que parecerá ser feita de ouro e prata, mas que na verdade é enxofre e piche e ele queimaria ao vestí-la; o único jeito de salvá-lo é pegar a camisa e jogá-la no fogo. Isso significa a falsa transmutação, o falso self, e o fogo é a transformação capaz da real transmutação. Nesse caso, aquele que conseguir queimar a camisa, se tornará pedra do coração ao joelho.
E, por último, a Princesa irá cair no chão e morrer e o único jeito de salvá-la é tirar três gotas de sangue de seu seio direito. Isso é uma metáfora que simboliza a capacidade feminina de dar vida. Aquele que o fizer, se tornará pedra da coroa da cabeça ao dedo do pé.
Ao chegar em terra, John consegue salvar o rei de todas as situações; mas em todos os casos, os outros servos do Rei, que não gostavam de John, se indagavam como ele poderia ter feito aquelas coisas. Na última situação, o Rei perdeu a paciência e o condenou à morte. Na manhã seguinte, antes de ser enforcado, ele contou toda a história dos corvos e virou pedra. O Rei se arrependeu tão amargamente de punir um servo tão fiel que colocou John petrificado em seu quarto.
Durante muitos anos, o Rei olhava para a estátua de John e se lamentava de ter feito aquilo. Anos depois, quando já tinha filhos gêmeos – e os gêmeos sempre representam a dualidade –, o Rei disse que faria qualquer coisa para ter de volta seu servo tão fiel. Nessa hora, John falou que ele poderia, se cortasse a cabeça de seus dois filhos e banhasse o banhasse com o sangue. O Rei se encheu de horror, ficou hesitante, mas fez o que John havia pedido. Ele, então, não só voltou à vida, como também reviveu os gêmeos. Essa passagem lembra uma bíblica, a que Deus decide testar a fé de Abraão e o manda cortar a cabeça de seu filho. Já com a faca no pescoço de Isac, o anjo desce e pede para Abraão parar e diz que sua fé foi provada. Só que os irmãos Grimm foram um pouco mais viscerais.
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Aqui vai a versão em inglês, de 320 palavras que foi enviada lá no curso. Ela é bem mais condensada pelo limite e porque todo o público do texto – supostamente – havia lido o conto.
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